O Conselho Tutelar e a fiscalização de bailes, boates e congêneres:

Murillo José Digiácomo 1
Uma questão que sempre surge quando se discute o papel do
Conselho Tutelar no “Sistema de Garantias” idealizado pela Lei nº 8.069/90 para
plena efetivação e proteção integral dos direitos infanto-juvenis, diz respeito à
fiscalização, por parte do órgão, da presença de crianças e adolescente em
“bailes, boates e congêneres”, em desacordo com as disposições de portarias
judiciais expedidas para regulamentar o acesso a tais locais, nos moldes do
disposto no art. 149, inciso I, do citado Diploma Legal.
Tal atividade “fiscalizatória”, por vezes, acaba sendo “exigida”
e/ou “imposta” por parte da autoridade judiciária ou Ministério Público, e não raro
é exercida de forma absolutamente equivocada, num total desvirtuamento da
atuação do Conselho Tutelar como órgão de defesa dos direitos infanto-juvenis
que é.
Há relatos de conselheiros tutelares que passam a atuar como
“porteiros” dos estabelecimentos comerciais ou locais de eventos, controlando o
acesso e conferindo a identidade daqueles que adentram o recinto, e casos nos
quais, uma vez constatada a presença de crianças e adolescentes em
desacordo com a portaria judicial, ou consumindo bebidas alcoólicas, são estes
retirados à força do local, não raro com o uso de violência ou com a exposição
do “destinatário da medida” a uma situação vexatória e constrangedora perante
os demais frequentadores do evento.
Desnecessário dizer que estas e outras práticas assemelhadas
não devem ser levadas a efeito pelo Conselho Tutelar, que não é um órgão de
segurança pública 2
 e, muito menos, uma espécie de “polícia de criança”,
encarregado da “repressão” aos eventuais “desvios de conduta” praticado por
crianças e adolescentes.
Isto não significa, no entanto, que o Conselho Tutelar não
detenha o chamado “poder de polícia” (inerente a diversas autoridades públicas
investidas de atribuições específicas, como é o caso, por exemplo, da “vigilância
sanitária” em relação às infrações praticadas por estabelecimentos que
comercializam alimentos) e/ou a atribuição de combater possíveis violações de
direitos de crianças e adolescentes onde quer que estas estejam ocorrendo (o
que logicamente inclui estabelecimentos comerciais ou festividades em geral),
em razão do contido no art. 131, da Lei nº 8.069/90, verdadeira “atribuição
primeira” do órgão.
A atividade fiscalizatória do Conselho Tutelar em locais onde se
encontram crianças e adolescentes decorre de disposições explícitas, como é o
caso do disposto no art. 95, da Lei nº 8.069/90, bem como de outras implícitas,
como aquela decorrente da combinação dos arts. 131, 194 e 258, todos do
mesmo Diploma Legal.
1
 Promotor de Justiça no Estado do Paraná (murilojd@mp.pr.gov.br). 
2 Os órgãos de segurança pública estão expressamente relacionados no art. 144, da 
Constituição Federal. 
Com efeito, não haveria sentido em dotar o Conselho Tutelar da
atribuição de oferecer representação à autoridade judiciária quando da
constatação de violação às normas de proteção relativas ao acesso e
permanência de crianças e adolescentes em locais de diversão, se a atividade
fiscalizatória de tais locais não fosse inerente às atribuições do órgão3
.
Vale observar, no entanto, que tal atividade, além de ser
comum ao Conselho Tutelar, Ministério Público e Poder Judiciário (inclusive no
que diz respeito à atuação do Comissariado de Vigilância da Infância e da
Juventude), não tem por objetivo “flagrar” crianças e adolescentes em “bailes,
boates ou congêneres...” ou festividades, na perspectiva de sua “repressão”,
mas SIM constatar a possível violação de seus direitos por parte dos
proprietários de estabelecimentos/organizadores dos eventos e seus prepostos
(e é contra estes - proprietários e prepostos - que deve recair a atuação
repressiva Estatal).
A atuação do Conselho Tutelar (e dos demais integrantes do
“Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”) deve sempre
ser direcionada “em prol” da criança/adolescente, pois afinal, a interpretação e
aplicação de todo e qualquer dispositivo contido na Lei n° 8.069/90 deve ocorrer
no sentido de sua proteção integral, tal qual preconizado pelos arts. 1° e 6° c/c
100, par. único, inciso II, da Lei nº 8.069/90.
Assim sendo, se houver mera suspeita de que determinado
estabelecimento (como uma boate), está sendo responsável pela violação dos
direitos de crianças e adolescentes (o que pode ocorrer desde a simples
permissão de seu acesso ao local, em desacordo com uma Portaria Judicial
regulamentadora, à sua utilização como “ponto” para exploração sexual, por
exemplo), cabe ao Conselho Tutelar (assim como ao Ministério Público, ao
Poder Judiciário, e aos demais integrantes do referido “Sistema de Garantias”)4
,
agir no sentido da repressão dos responsáveis pela violação, que devem ser
punidos na forma da lei (cf. art. 5°, da Lei nº 8.0 69/90), devendo ser colhidas as
evidências necessárias (notadamente os nomes, idades e endereços das
crianças/adolescentes, nomes de seus pais ou responsável e de testemunhas
do ocorrido, dentre outras), e deflagrado, por iniciativa do próprio Conselho
Tutelar, o procedimento judicial para apuração da infração administrativa
prevista no art. 258, da Lei nº 8.069/90 (sem prejuízo de eventual provocação do
Ministério Público no sentido da apuração de outras infrações5
).
Vale repetir que a mencionada repressão não deve recair
contra as crianças e adolescentes eventualmente encontrados no
estabelecimento, em desacordo com a portaria judicial ou mesmo ingerindo
bebidas alcoólicas, que devem ser convidados - jamais obrigados - a deixar o
local (se necessário, o Conselho Tutelar deve acionar os pais ou responsável,
para que estes se dirijam ao local e apanhem seus filhos6
).
3 Sendo certo que, por regras básicas de hermenêutica jurídica, considera-se que “a lei não 
contém palavras inúteis” e “deve ser sempre interpretada de forma lógica/teleológica”.
4 E em última análise, a todos, dado disposto no art. 70, da Lei nº 8.069/90, que abre o capítulo 
relativo à prevenção, onde também estão inseridas as disposições relativas ao acesso de 
crianças e adolescentes aos locais de diversão.
5 Cf. art. 136, inciso IV, da Lei nº 8.069/90. 
6 Valendo ressaltar que semelhante abordagem encontra amplo respaldo no princípio da 
responsabilidade parental, consignado no art. 100, par. único, inciso IX, da Lei nº 8.069/90,
Importante jamais perder de vista que o Conselho Tutelar não
deve “substituir” o papel dos pais ou responsável, mas sim incumbe ao órgão
orientá-los (e se necessário deles cobrar uma mudança de atitude) para que
exerçam sua autoridade (logicamente, sem usar de “autoritarismo” e/ou
violência) em relação a seus filhos e pupilos, sendo que, em qualquer caso, as
crianças e adolescentes encontrados no estabelecimento em desacordo com
eventual Portaria Judicial ou consumindo bebidas alcoólicas devem ser tratados
como vítimas daqueles que permitiram seu acesso indevido ao local ou lhe
forneceram as referidas “drogas lícitas”.
Mister se faz destacar, no entanto, que muito mais do que atuar
de forma “repressiva”, deve-se procurar agir de forma preventiva, cabendo ao
Conselho Tutelar, se necessário, provocar o Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente - CMDCA, no sentido da deflagração de uma
“campanha de conscientização” junto aos empresários responsáveis pelos
estabelecimentos e eventos atingidos pelas Portarias Judiciais, no sentido de
que é seu dever cumprir fielmente tais determinações, fazendo - eles próprios
e/ou por meio de prepostos (e não o Conselho Tutelar ou qualquer órgão
público7
) - um rigoroso controle de acesso aos respectivos locais de diversão,
através da comprovação da identidade e da idade dos freqüentadores e seus
acompanhantes.
A fiscalização do estabelecimento ou do evento, seja pelo
Conselho Tutelar, representante do Ministério Público, do Poder Judiciário ou de
outro órgão público, deve ser feita “de inopino” (não há necessidade sequer que
isto seja feito toda semana) e, para cada criança ou adolescente encontrado de
forma irregular, deve corresponder uma representação pela prática da infração
administrativa prevista no art. 258, da Lei nº 8.069/90 - ou seja, para cada
criança ou adolescente encontrado no local, deve corresponder um
procedimento judicial e uma multa distintos.
Vale dizer que a responsabilidade pela fiscalização de tais
estabelecimentos e eventos não é apenas do Conselho Tutelar, mas também do
Ministério Público e do Poder Judiciário, que devem ser convidados a participar
e/ou ao menos informados das diligências realizadas pelo Conselho Tutelar
neste sentido, que também poderão contar com a colaboração das polícias civil
e militar (valendo neste sentido observar o disposto no art. 136, inciso III, alínea
“a”, da Lei nº 8.069/90).
Importante também destacar que, a rigor, não há necessidade
de que a autoridade judiciária, Ministério Público e/ou quem quer que seja
“exijam” do Conselho Tutelar a fiscalização de tais estabelecimentos e eventos
(e muito menos que estabeleçam a “forma” como esta será realizada), seja
porque o Conselho Tutelar é um órgão autônomo, que não está de qualquer
modo àqueles “subordinado”, seja porque tal fiscalização, como acima referido,
deve ser por aquele órgão natural e espontaneamente exercida, da forma como
o Colegiado entender mais adequada e eficaz.
segundo o qual “a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus
deveres para com a criança e o adolescente”.
7 Não sendo o caso, logicamente, de deixar um conselheiro tutelar, comissário de vigilância da 
infância e da juventude, representante do Ministério Público, ou Juiz “de plantão” na porta do 

estabelecimento, para impedir o acesso de crianças e adolescentes.
O correto, em casos semelhantes, é que haja o entendimento
entre o Conselho Tutelar, autoridade judiciária e Ministério Público (bem como
com o CMDCA e Polícias Civil e Militar)8
, de modo que sejam planejadas
“estratégias” de ação conjunta (e coordenada), antes de mais nada no sentido
da orientação dos proprietários de estabelecimentos (numa perspectiva
eminentemente preventiva, como acima mencionado), bem como definidas
responsabilidades (inclusive dos demais co-responsáveis por tal “fiscalização”,
como é o caso do Ministério Público, Poder Judiciário, Polícias Civil e Militar
etc.), assim como “fluxos operacionais”, para que cada qual exerça suas
atribuições sem prejuízo daquilo que deve ficar a cargo dos demais.
A referida orientação preventiva, aliás, deve ser efetuada,
inclusive, na perspectiva de evitar que os responsáveis pelos estabelecimentos
a serem fiscalizados criem qualquer embaraço à atuação do Conselho Tutelar (o
que pode mesmo caracterizar o crime previsto no art. 236, da Lei nº 8.069/90),
sendo certo que, quando da realização das diligências, o Conselho Tutelar
poderá contar com o apoio da Polícia Militar (cf. art. 136, inciso III, alínea “a”, da
Lei nº 8.069/90), na perspectiva de garantir a segurança de seus integrantes e
mesmo efetuar possíveis prisões em flagrante, em especial daqueles que
estiverem eventualmente fornecendo bebidas alcoólicas a crianças e
adolescentes (pela prática do crime tipificado no art. 243, da Lei nº 8.069/90).
A propósito, os proprietários dos estabelecimentos e de locais
onde se realizam eventos devem ser “alertados” que, para efeito de sua
responsabilização, não será aceita a velha “desculpa” de que a venda foi feita a
algum adulto, que depois repassou a bebida ao adolescente. O art. 70, da Lei nº
8.069/90, é expresso em determinar que “é DEVER DE TODOS prevenir a
ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”
(grifei), ou seja, os proprietários dos estabelecimentos ou de locais onde se
realizam eventos e seus prepostos têm o DEVER de impedir que crianças ou
adolescentes consumam bebidas alcoólicas no local, sendo certo que, na forma
do art. 29, do Código Penal: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime
incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, ou seja,
aquele que fornece a bebida a um adulto, sabendo ou assumindo o risco9
 que o
mesmo a repassará a uma criança ou adolescente, estará também participando
do crime, e poderá ser preso em flagrante juntamente com seu autor.
A orientação aos proprietários dos estabelecimentos e de locais
onde se realizam eventos acerca das conseqüências do descumprimento das
normas de proteção, somada à realização de “operações conjuntas” a serem
combinadas com o Judiciário, Ministério Público, Policias Civil e Militar etc., fará
com que aqueles exerçam um maior controle sobre o acesso e permanência de
crianças e adolescentes no local, bem como quanto ao fornecimento de bebidas
alcoólicas, direta ou indiretamente, contribuindo assim para evitar ou ao menos
minimizar os problemas daí decorrentes.
8 Que, afinal, são todos integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do 
Adolescente” e dever atuar de forma articulada (cf. art. 86, da Lei nº 8.069/90), na busca da tão
sonhada “proteção integral” infanto-juvenil, que se constitui no objetivo comum de todos. 

9 O chamado “dolo eventual” - cf. art. 18, inciso I, do Código Penal.
Importante, antes de mais nada, que o Conselho Tutelar não
atue só, e mantenha com o Poder Judiciário, com o Ministério Público, Polícias
Civil e Militar (assim como junto a outros integrantes do “Sistema de Garantias
dos Direitos da Criança e do Adolescente”) uma relação de parceria, confiança e
respeito mútuos, devendo buscar o entendimento e a superação de possíveis
conflitos existentes ou que venham a surgir.
Infelizmente, em muitos casos, o Conselho Tutelar ainda não é
reconhecido como autoridade pública que é, verdadeira instituição democrática
que possui um “status” similar ao conferido pela Lei n° 8.069/90 à autoridade
judiciária (bastando, para tanto, ver o disposto nos arts. 95, 191, 194, 236, 249 e
262, todos do citado Diploma Legal).
É fundamental que todos os integrantes do referido “Sistema de
Garantias” aprendam a trabalhar juntos, de forma articulada, como é da
essência da política de atendimento preconizada pela Lei nº 8.069/90, em seu
art. 86, sendo a referida articulação interinstitucional uma das atribuições
elementares do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
que para tanto deve agir de ofício ou mediante provocação do próprio Conselho
Tutelar.
Em qualquer caso, é preciso superar as diferenças e os
problemas hoje existentes e aprender a trabalhar verdadeiramente em “rede”,
pois do contrário, caso o Conselho Tutelar, ou qualquer dos demais integrantes
do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente” deixe de
exercer em sua plenitude suas atribuições, os maiores prejudicados serão as

crianças e adolescentes do município.

http://www.mp.pr.gov.br/arquivos/File/ConselhoTutelarefiscalizacaodebailes.pdf

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