Medidas socioeducativas não podem ficar apenas no papel


A internação de adolescentes autores de ato infracional, medida privativa da liberdade, somente deve ser determinada em casos excepcionais e, em nenhuma hipótese, será aplicada havendo outra medida adequada. Esta garantia está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído há 20 anos, mas, na prática, a medida socioeducativa de internação tornou-se regra em diversos municípios brasileiros devido à falta de efetivação de políticas públicas e a não implementação de programas para execução da medida socioeducativa em meio aberto. Dados registrados o ano passado revelam que dos cerca de 17 mil adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, 15 mil estão privados de liberdade. Na tentativa de reverter a situação, o Ministério Público da Bahia promoveu durante esta segunda-feira, dia 26, o seminário 'Perspectivas para Efetivação de Medidas Socioeducativas', que teve o apoio do Tribunal da Justiça da Bahia e da Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac).
Representando o procurador-geral de Justiça Wellington César Lima e Silva na abertura do evento, o procurador-geral de Justiça Adjunto José Gomes Brito destacou a importância da temática debatida, uma vez que a falta de efetivação dos direitos dos adolescentes autores de ato infracional não é um problema novo, tendo ele próprio enfrentado, em sua época de promotor de Justiça no interior do estado, essa situação complexa. “Todos os membros do Ministério Público sentem-se angustiados quando não há para onde encaminhar o menor porque o Estado não cumpriu o seu papel”, ressaltou Brito, salientando que a criança e o adolescente constituem o futuro deste país e que “precisamos dar a nossa contribuição para amenizar essa situação”. “A maioria dos municípios fazem a opção pela aplicação de medidas em meio fechado por não possuirem à disposição um programa para a execução das medidas em meio aberto. E isso não pode acontecer; o adolescente não pode ser duas vezes penalizado”, destacou a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude (Caopjij), promotora de Justiça Márcia Guedes, informando que apenas 25 municípios baianos recebem recursos para a execução de medidas em meio aberto, mas, ainda assim, alguns deles não cumprem o seu papel.

Destacando que a falta de vontade política dos governantes é a principal causa da não efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, o promotor de Justiça do Paraná Murilo Digiácomo ressaltou que os municípios ainda tratam as questões da infância e juventude como algo secundário e se eximem de suas responsabilidades, transferindo-as para a Justiça e o Ministério Público. De acordo com o ECA, cabe aos municípios a responsabilidade pela criação e manutenção de uma política geral destinada ao atendimento de crianças e adolescentes, inclusive a implantação de programas de atendimento a adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional e suas respectivas famílias; e medidas de proteção, destinadas aos pais e responsáveis. O palestrante ressaltou que as políticas públicas devem ter foco preventivo, combatendo as causas da violência. “Uma série de direitos devem ser assegurados ao adolescente muito antes de chegar à aplicação de uma medida privativa de liberdade. Cada vez teremos mais adolescentes cometendo atos infracionais se só nos preocuparmos em atuar de forma repressiva, quando o ato já foi praticado”, observou. O promotor ainda qualificou como inaceitáveis o amadorismo e a improvisação na na área da infância e juventude. “Quando um juiz aplica uma medida sem fazer uma avaliação criteriosa das necessidades pedagógicas do adolescente e da sua capacidade real de cumprimento da medida, ele está atuando de forma irresponsável, porque está colocando no papel uma medida que tem tudo pra dar errado”, salientou Digiácomo, concluindo que “aplicar medidas apenas no papel não é suficiente”.

A questão da atuação preventiva também foi abordada pela promotora de Justiça do Pará, Leane Fiúza de Mello, durante a sua palestra sobre 'Os desafios para a implantação de medidas socioeducativas em meio aberto'. Ela destacou que o sistema de garantia de direitos engloba a prevenção primária, por meio de políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente, de caráter universal; a prevenção secundária, com medidas de proteção dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social (vitimizados); e, quando esses dois sistemas de prevenção não funcionam, desaguam no terceiro: a prevenção terciária, que engloba as medidas socioeducativas aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais (vitimizadores). Observando que a liberdade é um dos direitos fundamentais mais importantes para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, a promotora defendeu a excepcionalidade das medidas privativas de liberdade. A palestrante apontou como fatores de influência nos casos da adolescência em conflito com a lei a questão social, o preconceito, a discriminação, o alto grau de vulnerabilidade, a negação de direitos e a cultura do aprisionamento disseminada no país, “como se o aumento no número de presos fosse resolver a questão da violência. Precisamos tirar o foco do aprisionamento e colocá-lo sobre as causas da violência”.

Também participaram do evento como palestrantes o assessor da Subsecretaria de Proteção de Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, o advogado Marcus Vinícius Magalhães, que falou sobre o 'Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados e o Tráfico de Entorpecentes'; o juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, Nelson Amaral, a defensora pública Maria Carmem Novaes e a promotora de Justiça do Distrito Federal Selma Sauerbronn de Souza, que participaram da mesa-redonda sobre 'Execução de medidas socioeducativas: aprovação do plano de atendimento individual, descumprimento em fase de execução e remissão com medidas socioeducativas; infrações disciplinares na fase de execução; visitas íntimas'. Compuseram também a mesa de abertura do evento o juiz Cláudio Daltro, da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJ; o diretor-geral da Fundac, Walmir Mota; a presidente da Fundação Cidade Mãe, Sydney de Oliveira; e o presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), Renildo Barbosa.


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